
Para uns, dezembro é a melhor época do ano, momento de partilhar a ceia de natal entre a família, comemorar o ano que acaba ao lado dos amigos e aguardar a entrada do novo ano. Para o protetor animal essa felicidade dá lugar à tristeza. Abandono, fome e frio. Os dois últimos meses do ano são os que mais registram casos de animais que foram deixados para trás por suas ‘famílias’, o motivo? Viagem de férias.
Assim começa a história dos Gatinhos Mágicos.
5 de dezembro de 2018. Lembro de estar saindo para a aula quando vi um pedido de ajuda nas redes sociais: uma caixa de gatinhos havia sido abandonada na frente da casa de uma menina. Ela estava desesperada, já tinha animais em casa e o cachorro da família já ameaçava usá-los como a próxima refeição. Dias antes um filhote, em lar temporário na minha casa, havia partido, era franzino e tinha poucos dias, viveu apenas o que a maldade humana o permitiu.
Com mais experiência, e leite do filhote que já não estava mais aqui, me ofereci para ajudar, mal sabia que aquela seria uma das maiores mudanças de minha vida. Marcamos que ela deixaria os filhotes no meu endereço, saí mais cedo da aula e cheguei ansiosa em casa, sem saber como contar à minha mãe… e não contei. Algumas surpresas funcionam melhor do que palavras.
“O que é isso? Não Laura!!!! EU VOU ACABAR BRIGANDO CONTIGO! NÃO PODES TRAZER PARA CASA TODO BICHO QUE ESTÁ NA RUA, NÃO TEM CONDIÇÕES!!”.
A maternidade era uma caixa de sapatos, com três bebês que gritavam em uma sinfonia que se ouvia de qualquer canto da casa. Entrei desconfiada e de cabeça baixa, enquanto minha mãe gritava atrás de mim. Limpei os pequenos com água morna. Estavam muito sujos e gripados, além da fome que insistia em reclamar… assim como minha mãe. “Eles vão ficar aonde?”.




De todos os animais que cuidei, de longe, as três pecinhas foram os mais chorões. Nunca na vida vi animais que choravam tanto. Dois deles eram muito parecidos, um macho e uma fêmea. Tigrados, olhos redondos e amendoados, dei o nome de Cosmo e Wanda. Mas ainda tinha a irmã deles, apesar de não ser nada parecida com os dois fisicamente, me senti mal de não dar um nome parecido, afinal ela continuava sendo irmã deles.
Decidi chamar de Vandinha. Até hoje não sei como eles sobreviveram, mesmo com muitos cuidados, é difícil filhotes tão novinhos como eles resistirem. Talvez fosse a magia do natal ou muita vontade de viver. Naquele dia os três gatos driblaram a morte com uma forcinha do destino, como se fossem mágicos.
As noites eram longas e os dias pareciam passar voando. O expediente na maternidade não tinha fim para mim, já que eu era a única ‘enfermeira’ de plantão. Para que os filhotes dormissem eu precisava cantar meu repertório de 5 músicas e balançar o cestinho, sem isso não tinha conversa, mesmo no dia em que eu peguei uma gripe daquelas e fiquei rouca, a cantoria não podia parar. A atenção maior tinha que ser para manter Vandinha dormindo, já que quando ela acordava gritava até levantar os irmãos também.
Se ela não dormia, ninguém mais ia poder, isso incluía a gente. Lembro que eu estava finalizando um livro-reportagem para uma disciplina do curso e virava a noite produzindo. Todos os dias chorava no banho, longe das vistas de todos, reclamar do cansaço não era uma opção, pelo menos não sem ouvir um “eu disse para tu não pegares mais nenhum bicho”.
Laços de família

Aos poucos as pessoas foram se interessando em adotá-los, minha irmã me ajudou a fazer uma foto de cada um perto da árvore de natal e ficou uma gracinha, impossível não se encantar por eles. A primeira a ser adotada foi a Wanda, o miado dela parecia mais um uivo, era geniosa, mas muito doce. Com a ida da irmã, Cosmo e Vandinha ficaram mais próximos, até nas brigas. Vandinha sempre foi mandona e gostava de tudo do jeitinho dela, batia no irmão e se aproveitava do temperamento manso dele para roubar na hora das refeições. O maior tetê - leite dos filhotes - era sempre o dela.
Cosmo essencialmente era o mais calmo dos três, a agitação era toda das meninas. Carinhoso, gostava de dormir em nosso pescoço e nunca chorava, só na hora de acordar. Muito apegada, sofri em dizer adeus na hora de entregá-lo à nova família, há tempos eu não tinha gatos em casa, na verdade desde criança, já tinha me acostumado à ideia de tê-los novamente em nosso lar. Não foi dessa vez.
Vandinha não gostou da separação, assim que Cosmo foi embora ela chorava pela casa, ainda miudinha, gritava e tentava alcançar as coisas com suas patas curtas, até que cansou. Com o passar dos dias ela se acostumou, e depois já nem lembrava mais, pois tinha toda a atenção da casa só para ela. Uma pessoa me ligou certa vez interessada em adotá-la, mas o apego foi tão grande que ocultei essa informação da minha mãe e esperei o tempo passar.
Depois da castração, Vandinha se aproximou mais da avó e não quis mais outra vida. As duas se tornaram companheiras inseparáveis. Se minha mãe vai ao banheiro, Vandinha vai. É dia de faxina na casa? Vandinha está lá também. Aos sábados minha mãe lava roupa e Vandinha sabe que é hora de deitar na janela do quarto, para assistir o programa favorito dela: qualquer coisa feita pela minha mãe.

Vandinha hoje é uma gata saudável e mau humorada. Os únicos carinhos permitidos são os que minha mãe faz. Desconfio que essa raiva toda foi se acumulando ao longo dos resgates que iam se abrigando em casa. Depois que os irmãos foram embora ela já havia se acostumado a ser a dona do pedaço, e ver sempre um possível novo irmão pela casa não a agradava muito.
A gata não gosta de mostrar seu lado mais afetuoso, mas é cuidadosa como nenhuma outra. Quando minha avó estava morando em nossa casa necessitava de cuidados constantes, pois sentia tonturas e caía sozinha, em um dia que precisamos sair de casa por uns minutos, fomos às pressas para voltar o mais rápido possível, para que ela não ficasse sem supervisão, mas não ficou. Assim que entramos no quarto ela dormia sob vigilância dos olhos amendoados da general. Ficamos surpresas e encantadas, Vandinha não era de muito carinho com vovó, já que morria de medo de sua bengala, mas soube exatamente a hora certa de estar presente.
No dia em que decidi cuidar dos gatinhos mágicos, jurei que eles sobreviveriam, e sobreviveram. Não ia aguentar a perda de mais filhotes. Fiz o que pude, e algumas noites em claro não se comparavam à felicidade em vê-los saudáveis e fortes correndo pela casa. O fim de ano de 2018 teve a mesma tristeza de sempre, os mesmos abandonos, mas também teve muita esperança. Hoje quem comanda a casa das 7 mulheres é a gatinha restante, Vandinha. Para os íntimos, Vanda.