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Ilustração mostra gato cinza deitado no chão usando óculos de armação vermelha

Finais felizes. A verdade é que a vida tem muito mais a ver com ciclos, do que com pontos finais. Tudo é constante, inclusive os recomeços, e a história do Tonico é mais um deles. Reza a lenda que os gatos possuem 7 vidas, e talvez esse gato já tenha multiplicado as dele. Longe de casa, é preciso ter força e coragem para sobreviver, um gato doméstico tem poucas chances em uma vida nas ruas. Qual a probabilidade de reencontrar o amor da sua vida depois de anos perdido?

Quem resgata e cuida de animais sabe que todo mundo ao redor acha que somos loucos. De fato somos. Mas se existe uma certeza é que a sua atitude vai servir de inspiração. Aqui em casa minha mãe já havia resgatado cachorro, gato e simpatizava até com a camaleoa que, de tempos em tempos, aparecia no quintal. Mas minha irmã nunca tinha trazido nenhum, pelo menos não até aparecer o animal certo. E ele apareceu.

“Laurinha, vai lá no banheiro de fora e abre a porta. Tem um presentinho para ti!” [risos]

Meu presente era arredio, chorava e mancava bastante. Conversei com ele e me aproximei devagar, até que ele sentisse que ali era seguro. Aos poucos ele saiu de trás do lixeiro, começou a se esfregar em minhas pernas e pedir carinho. Quase sem dentes, chutei de 9 a 10 anos. “ELE TEM CARA DE TONICO”, gritei. “Tonico José”. Minhã irmã riu e começou a contar a história dele.

Tonico estava escondido em um depósito no trabalho dela, só queria abrigo e comida. Mas a chefe dela não gostou da ideia, e nem do gato, para falar a verdade. Ela detesta os felinos e ameaçou matá-lo se continuasse ali. Minha irmã ficou com pena e trouxe ele para casa. Mamãe já tinha batido o martelo de que ele só ficaria aqui até se recuperar, depois iria para adoção.

Gatos não costumam viver muito tempo nas ruas. Por conta da violência, o risco de acidentes e envenenamentos, a expectativa de vida deles é baixa, variando entre 2 a 3 anos, alguns nem isso. Tonico aparentava ter 9/10 anos, e além disso tinha características de FIV (Vírus da Imunodeficiência Felina), uma doença sem cura que afeta o sistema imunológico do gato, deixando o animal mais suscetível à infecções.

As chances de um gato idoso e FIV+ ser adotado são quase nulas, principalmente porque o ideal é que a pessoa não tenha outros gatos, já que o vírus pode ser transmitido durante a mordida em uma briga, por exemplo, caso a saliva do animal infectado entre na corrente sanguínea do outro gato. No dia seguinte levamos Tonico ao veterinário, ele fez exames e apresentou infecção alta, solicitamos o teste de FIV e o resultado foi positivo. Iniciamos o tratamento para a infecção dele e os suplementos para reforçar a imunidade, agora ele estava sendo cuidado.

Gráfico mostra cálculo da quantidade de gatos que nascem de animais que vivem nas ruas

De volta para minha... família?

Assim que melhorou a infecção castramos o danado. Gatos costumam se reproduzir muito nas ruas e por isso é necessário realizar a esterilização. Dias depois começamos a divulgar que ele estava disponível para adoção responsável e algo surpreendente aconteceu. Uma moça respondeu dizendo que ele era idêntico ao gato dela que havia fugido há alguns anos, a única diferença visível é que o Tonico não tinha mais parte do rabo, provavelmente por conta do tempo que passou abandonado. Desconfiei da coincidência, já que seria quase impossível ele ter passado tanto tempo na rua.

Mas ela já estava decidida que Tonico era o filho perdido. Apesar do tempo, Gody, como era chamado, não foi esquecido pela família e a ideia de que de fato os dois fossem o mesmo animal me deixou feliz. Imagina só o desfecho emocionante: depois de quase ser morto, resistir há anos na rua, o gato encontra sua família perdida. Seria incrível! Combinamos de que eu o deixaria em um lugar fechado, e do lado de fora eles o chamariam pelo nome original, pois na cabeça dela se fosse mesmo o gatinho dela, ele responderia, e assim fizemos.

“Gody??? Gody!! É você? É você, meu filho?”

Meu coração disparou. À medida em que ela chamava do outro lado da porta, Tonico chorava e miava como se estivesse respondendo. Abri a porta e ele foi em direção a ela. Comecei a chorar e meu pensamento foi certo na ideia de que agora ele estava novamente no lugar onde sempre pertenceu. Mas ainda não era o capítulo final da história do Tonico, nem de Gody. “Não, não é ele”.

Ela chorou e me contou a história do seu gato, contou que não poderia ser o Tonico, apesar de muito parecidos, algumas características eram impossíveis de esquecer. Não que ele tenha se importado com isso, já que não parou de pedir carinho e rolar de um lado para outro enquanto ela conversava comigo, o olhar dizia: “Me leva, eu também posso te fazer feliz!”, mas ainda não era o momento dele.

A cada passo em direção ao portão, o gato chorava e tentava ir atrás da moça. Sem sucesso. Vovô ficou alguns minutos encarando o portão e esperando que ela voltasse, mas não voltou. O que me confortava era saber que aqui ele tinha tudo o que precisava também: amor, carinho, cuidados e pessoas que o amavam.

Pipico, vovô, Toni… esses são apenas alguns dos apelidos que o gato ganhou desde que chegou em casa. Sempre soube que minha irmã não iria conseguir se despedir dele, o tempo constrói e destrói muitas coisas pelo caminho, mas o sentimento verdadeiro brota sem a gente perceber, foi assim com os dois.

Em uma viagem de férias com o namorado, Letícia trouxe uma cama azul, linda, toda estampada com pandas, para ele. Como um bom gato preguiçoso, passou a tirar seus cochilos todas as tardes no conforto do presente que ganhou da mais nova tutora. Vez ou outra Tonico recebe a visita da ‘tia Joyce’, que dá banhos e coloca gravatas coloridas nele, o melhor tratamento possível para o bendito fruto da casa, o único macho em um lar só de mulheres.

 - “Mãe, a senhora sabe que ele já é da família, né?”

 - “Sei, mas já vou logo avisando que não vou ter obrigação nenhuma, essa parte é com vocês. Gosto muito dele, é bonzinho demais, mas não quero obrigação para a minha cabeça”.

Todos os dias mamãe alimenta o Tonico, coloca a vitamina, e muda os vasos das plantas dela de lugar para enfeitar ao redor da casa dele, como um belo jardim. Todos os dias ela se preocupa em me chamar para reparar ele na hora de sair com o carro, mesmo com problema nas patas, ele ainda tenta escapar para olhar os gatos na rua. Em um dia que ela se descuidou, Tonico se assustou com um gato que tentava entrar e correu, foi parar na laje do vizinho, foi preciso uma força-tarefa para resgatá-lo de lá. A expressão? A mais sem vergonha possível. Ele veio no colo e parecia rir da nossa cara de preocupação, carregado como um rei em trono de ouro.

Tonico é um sobrevivente. Das ruas, da violência e do preconceito. Minha casa sempre abrigou muito bem espíritos incompreendidos. Foi assim com a Belhinha, com a Eva, com Vandinha e agora, o Tonico. Geralmente animais que não se encaixam em outros lugares ou que são deixados por último, encontram vez por aqui, e isso me conforta. Tonico encontrou seu lugar, vivendo seu ciclo e seu momento.

Gato tigrado deitado de lado no chão enquanto é iluminado pelo sol

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